20.4.07


Let’s Play It Loud, Good Ol’ Charlie Bown!

Uma Audição Particular de Joe Cool’s Blues


Eu sempre fui um perdedor. Um perdedor convicto. Lento, excessivamente tímido, quase xucro, frágil, ausente, desde os tempos de eu menino. E estive sempre acompanhado de um olhar delicado sobre minhas derrotas: isso me permitiu ser alegre, feliz até, mesmo diante dos resultados mais pífios.

Assim, como poderia eu não reconhecer meu outro, meu alter ego, meu duplo, no menino Charlie Brown, criado por Charles M. Schulz nas famosas tirinhas dos Peanuts?

À época de minha infância, Charlie acompanhava minhas estranhas descobertas de menino esquisito – minha garotinha ruiva e o fracasso amoroso, meus amigos sempre melhores em tudo – com a mesma disposição e interesse que eu aos dele. Assim vivemos metade da década de 80 e começo da seguinte um em companhia do outro.

Hoje, penso que lá estiveram minhas primeiras lições de interesse musical. A imagem do menino Charlie Brown rodopiando um contrabaixo é a caricatura de minhas esperanças de felicidade. Eu poderia também rodopiar ao som do que ainda desconhecia enquanto jazz, mas que já sabia ser também a música para a alegria dos que sofrem. Compreendo cada vez melhor que o jazz encontre na dor, na melancolia, a matéria de seu contentamento.

Era a música dos Peanuts que regia minha infância. Mas nem o piano de Schroeder e seu amor por Beethoven conseguiram me atingir como os ragtimes em direção ao campo de beisebol. Gostava da música engendrada na infância daqueles meninos em que eu me repetia.

Anos mais tarde, talvez mais de uma década, reencontro o menino Charlie, as composições de Vince Guaraldi, as execuções fascinantes de Wynton e Ellis Marsalis e suas bandas, e a mim mesmo num único disco: Joe Cool’s Blues (1995), gravado por Wynton e Ellis, com temas escritos por Guaraldi para as trilhas sonoras dos Peanuts.

Sou um ouvinte comum de jazz. Alguém que ainda está começando a conhecer nomes e peças e por isso o nome de Wynton (o dele em especial, mais que o de Ellis, e agora o de Branford, devido à minha predileção por trompetes) ainda era mais comum em minha lista de “Músicos a Serem Pesquisados” que em minha lista de favoritos. Descobrir então sua execução soberba e esse disco especialmente fizeram valer as emoções de algumas vidas mais. Ouvi-lo é reviver um pouco de minha infância tragicômica, do que fui e ainda sou, do que perdi de mim.

Um dia, que provavelmente jamais virá, hei de comentar a música de Wynton Marsalis, sua técnica perfeita e a volta às raízes do jazz tradicional, mesmo o que lhe faz controverso, mais detidamente. Talvez o faça quando um dia tenha competência para tanto, se o tiver. Mas hoje escrevo sobre meu tempo ao som do septeto de Wynton e do trio de seu pai Ellis, e à imagem do good ol’ Charlie rodopiando aquele contrabaixo para tocar o tema Linus & Lucy.


Joe Cool’s Blues (1995)

Wynton & Ellis Marsalis

Composições de Vince Guaraldi

Músicas:

1. Linus And Lucy - WYNTON MARSALIS SEPTET

2. Buggy Ride - WYNTON MARSALIS SEPTET

3. Peppermint Patty - Ellis Marsalis Trio

4. On Peanuts Playground - WYNTON MARSALIS SEPTET

5. Oh, Good Grief! - Ellis Marsalis Trio

6. Wright Brothers Rag - WYNTON MARSALIS SEPTET

7. Charlie Brown - Ellis Marsalis Trio

8. Little Red-Haired Girl - WYNTON MARSALIS SEPTET

9. Pebble Beach - Ellis Marsalis Trio

10. Snoopy And Woodstock - WYNTON MARSALIS SEPTET

11. Little Birdie - Ellis Marsalis Trio

12. Why, Charlie Brown - WYNTON MARSALIS SEPTET

13. Joe Cool's Blues (Snoopy's Return) - WYNTON MARSALIS SEPTET

Wynton Marsalis Septet:

Wynton Marsalis (trumpet); Wessell Anderson (alto & soprano saxophones); Victor Gaines (tenor saxophone, clarinet); Wycliffe Gordon (trombone); Eric Reed (piano); Benjamin Wolfe (acoustic bass); Herlin Riley (drums).

Ellis Marsalis Trio:

Ellis Marsalis (piano); Reginald Veal (bass); Martin Butler (drums).

Como curiosidade, o que está escrito na página oficial dos Peanuts a respeito de Charlie Brown:

“Charlie Brown wins your heart with his losing ways. It always rains on his parade, his baseball game, and his life. He's an inveterate worrier who frets over trifles (but who's to say they're trifles?). Although he is concerned with the true meaning of life, his friends sometimes call him "blockhead." Other than his knack for putting himself down, there are few sharp edges of wit in his repertoire; usually he's the butt of the joke, not the joker. He can be spotted a mile away in his sweater with the zig zag trim, head down, hands in pocket, headed for Lucy's psychiatric booth. He is considerate, friendly and polite and we love him knowing that he'll never win a baseball game or the heart of the little red-haired girl, kick the football Lucy is holding or fly a kite successfully. His friends call him "wishy-washy," but his spirit will never give up in his quest to triumph over adversity.”


Eu também torço para que meus amigos me amem, também sabendo que nunca empinarei uma pipa com sucesso.

O disco: http://www.amazon.com/Cools-Blues-Wynton-Marsalis-Ellis/dp/B000002AYO

Peanuts: http://www.snoopy.com/comics/peanuts/index.html