20.9.07

Exposição: Branford Marsalis: Romare Bearden Revealed


Sempre preferi o trompete ao saxofone, é fato. Esse foi um dos motivos principais para ter chegado primeiro à música de Wynton Marsalis e só depois a de seu irmão Branford. Gosto particularmente da música deste primeiro, apesar de algumas de suas ásperas opiniões a respeito do presente e do futuro do jazz, no entanto nestes últimos meses tenho variado quanto a certeza de quem é meu irmão Marsalis preferido.

Mas é sobre a música de Branford que me detenho para a leitura de hoje.

O disco da vez é Romare Bearden Revealed, de 2003. Neste álbum Branford aparece bem amparado por seu ótimo quarteto, formado pelo ótimo Joey Calderazzo, no piano; por Eric Revis, competentíssimo, no baixo; e por Jeff “Tain” Watts, que tanto me agrada, na bateria; Branford Marsalis aparece nos saxofones, obviamente.

Esse ótimo quarteto, capaz de fazer belos discos por si só – é o caso da bela homenagem a John Coltrane, no dvd/cd A Love Supreme – recebe ainda o reforço de Harry Connick Jr., no piano; Reginald Veal, no baixo e Doug Wamble, guitarra; além dos demais Marsalis: o pai, Ellis, no piano; os irmãos Delfeayo (trombone), Jason (bateria) e Wynton (trompete).

O mote de Romare Bearden Revealed não pode ser deixado em segundo plano: como diz o próprio título, a música deste disco é o resultado de um olhar profundo de Branford e seus músicos sobre a obra do pintor americano Romare Bearden.

Lançado em parceria com a fundação The Art Of Romare Bearden, o álbum não paira apenas sobre a superfície da obra de Bearden, ou mesmo do próprio Branford: o mergulho se aprofunda na ótima escolha de repertório, que traz de Duke Ellington (I’m Slappin’ 7th Avenue) a Jelly Roll Morton (Jungle Blues), visitando Wynton (J Mood) e apresentando uma composição de Branford (B’s Paris Blues) e outra de Jeff “Tain” Watts (Laughing and Talking). Uma das curiosidades do disco é o tema Seabreeze, quase uma valsa, composta por Bearden em parceria com Freddy Norman e Larry Douglas. Seabreeze não é a composição mais bonita do disco, mas a sonoridade adoçada de Branford faz dessa faixa um belo convite ao relaxamento.

Talvez a grande música deste álbum seja a bela Jungle Blues, de Jelly Roll Morton, que traz de volta o bom blues/jazz do início do século XX. A execução de Branford nesta faixa encontra um encaixe perfeito na sempre primorosa e soberba performance de Wynton, responsável pela recriação deste tema. Nesta execução de Jungle Blues merece ainda um belíssimo destaque a participação precisa e criativa de Watts na bateria.

O casamento entre a execução de cada tema e a obra de Romare Bearden não se perde em momento algum do disco e seria possível dizer que tanto a obra de Bearden quanto a realização deste disco caminharam sempre juntas.

É prova do talento de um (Bearden) e de outro (Branford), que tem gosto especial por projetos ousados. Sobre Bearden, o release do disco informa:

The affinity that Romare Bearden (1911-1988), one of the most vibrant and visionary American painters of the 20 th century, felt for jazz music has been well documented. A native of North Carolina whose family relocated to Harlem when he was three years old, Bearden was a true child of the Harlem Renaissance whose circle of friends included many of the community’s leading musicians and authors as well as painters. Frequent visits to relatives who remained in the South also sustained Bearden’s fascination with the rural as well as the urban strains in African-American culture. By the 1940s, jazz musicians and jazz scenes had begun to appear in his work; and as time passed he began to employ titles of favorite jazz performances for his paintings and collages. In his later years, Bearden created specific works for albums by Charlie Parker, Donald Byrd and Wynton Marsalis; and, since his death, musicians such as Sonny Fortune and Robin Eubanks have also employed images created by Bearden for their recording projects.

Verdade é que estes dois artistas, Romare Bearden e Branford Marsalis, merecem ser vistos de maneira mais aproximada e atenciosa. As pinturas de Bearden fotografam um mundo peculiar que o tempo tenta esconder; a música de Branford revive e reinventa um novo organismo sonoro que o tempo ainda não aprendeu a diminuir.

Está feito o convite.