7.5.06

Peça: 26. Uns Dias de Chuva*

Nos dias de chuva - dias raros por estas bandas do mundo - o tempo me enche de uma melancolia levemente doce e tranqüila. Nos dias de chuva, essa é uma delicadeza ancestral. Quase um poema do Mario Quintana que viesse se repetindo durante inúmeras gerações, à maneira de uma Macondo sem sofrimentos e contemplativa, onde a ação é algo mais interior e poético, usurpado brandamente de baús muito antigos, feitos à mão.

Nos dias de chuva por estas bandas, ainda que não haja chuva, todos os homens são mais homens que machos. Nos dias de chuva por estas bandas, ainda que não haja chuva, todas as mulheres adquirem um ar de doçura triste que lhes dá um tom ainda mais próximo dos sonetos de Shakespeare.

Por estas bandas, quando o céu está dormindo pesado sobre nossas cabeças, quando o sol está arrefecido e a água parece mais que nunca uma bênção sem um deus exato e milimétrico, tenho a sensação real, tão real e nítida, de que sob essa melancolia dos rostos, sob a beleza dessa luz inesperada que o dia toma, sob a tranqüilidade e os encantos das crianças nas ruas, todos nós somos mais felizes. Tenho a sensação de que eu sou mais feliz, por mais que não o seja.
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Texto publicado há um par de anos em "O Centerário"